(MORTO A TIRO POR UM POLICIAL MILITAR)
PELE DE CROCODILO – Armadura frágil
Casca grossa, impenetrável, várias utilidades, mutável!
Com um mundo à sua frente, dentro de si, existe uma fragilidade que ninguém consegue
enxergar, suas raízes estão em um lugar escuro onde não é possível identificar de que lugar pertence. Em busca de encontrar sua identidade acaba se perdendo, influências transforma seus sonhos em pesadelos, em um mergulho no desconhecido encontra uma grande escuridão que ao olhar para os seus não consegue enxergar seu lugar de partida.
Sua busca de mostrar que consegue ser forte só revelava a criança que era, todos ao seu redor tentaram segurar na sua mão, porém sua vida já estava sugada pela dúvida e suas consequências. As deceções corroem de forma intensa, a ponto dos seus rompimentos não terem mais volta.
Sua pele vira uma armadura protegendo o ser frágil que se encontrava dentro de si, mas
isso o deixa mais animal, mais feroz, diminuindo sua sensibilidade.
Igor, menino negro de grandes sonhos e talentos ainda não revelados. Tinha em sua mente a vontade de crescer, trabalhar e conquistar seus espaços, porém se deparou com algumas incertezas na vida, na qual veio desfrutar de alguns “amigos e amores” não correspondidos. Diante disso trouxeram algumas inquietudes para sua vida na qual não foram possíveis de superar, na tentativa de ser corajoso o medo assombra e impede de avançar de forma valente, seus envolvimentos e suas trocas sempre foram turvas sem muita definição, o colocando em escolhas não muito provedoras de sucesso.
Águas escuras, frias e densas o deixam gelado, áspero! Suas mordidas são cada vez mais intensas e fortes, seus instintos são aguçados, mas o torna lento e pesado sem conseguir sair do lugar e agir no momento que a vida propõe uma mudança de ambiente.
Seus olhos se encontram na superfície atento a qualquer coisa, seus instintos o colocam
sempre em estado de alerta, suas entranhas gritam por carne por energia, de forma rasteira ele se movimenta sem intenções.
Suas convicções o colocam em lugar de perigo, a ponto de ser pego e sofrer com
consequências dessa dureza que sua pele traz.
“Micael foi baleado ao meio-dia de um domingo: 14 de junho de 2020. O autor do disparo, um policial militar, alegou bala perdida, mas as estatísticas mostram que ela tinha endereço.
Naquele dia, Micael acordou e pediu café e pão para sua mãe, como de costume — ele
amava merendar e era bom de boca, “Mainha, tem o que para comer hoje?”. Pediu para seu pai amarrar as pipas: seu Maurício fez quatro. Ele estava contente. Os relatos de quem o viu na rua, brincando em praça pública, eram de alegria. Procurando graça como sempre.
Vai demorar para a Santa Cruz voltar a sorrir como naquele dia, em que o último som foi a voz de Micael, já baleado: “não me deixem morrer”.
*Roge Costa é brasileiro, bailarino, professor de dança e integra a equipa artística do CORPOEMCADEIA
