
13 Abril 2022
Ao passar o 2º pátio já sei que J., que está sempre à espera de me ver, saiu da cela e é sempre o primeiro a chegar à sala de ensaio. Ele é o único que está numa ala diferente dos outros reclusos.
Hoje, já estava na 2ª antecâmara à minha espera. Sorriu, abraçou-me como sempre. Perguntei-lhe: “pensaste no solo?” ele responde – “Sim! Ontem até comecei a experimentar umas coisas, mas o espaço entre o fim da cama e a parede é tão curto que não conseguia mexer”, eu digo: “mas utiliza essa falta de espaço para te inspirar”, “pois é tens razão!” diz ele com um ar de descoberta.
Subimos as escadas, chegamos ao estúdio, ponho a música do solo, ele deita-se no chão e começa a dançar naquela sala enorme o espaço imaginário da sua cela.
Janto com amigas, a conversa cruza os cães esfomeados de S. Tomé e os reclusos subnutridos do Linhó, as histórias de Saramago e as histórias das tatuagens do F., do P., do N. … Os corpos dos bailarinos da Companhia Nacional de Bailado e os corpos daqueles homens há tantos anos aprisionados.
Olga Roriz