
“Prazer, recluso 294.
Há 3 anos que estou em reclusão com uma pena de 11 anos. Gosto do Marco Paulo, mas não acredito na filosofia de que “ninguém poderá mudar o mundo”, todos temos a capacidade de contribuir para um mundo melhor, precisamos descruzar os braços e ir à luta pois juntos somos mais fortes, e hoje, por detrás dos muros e das grades que me cercam venho lutar pelo direito do amor LGBTQE+ dentro do sistema prisional.
Mesmo vivendo em reclusão acabo por ser privilegiado por ter ao meu lado um companheiro extraordinário, com ele aprendi que a vida não começa quando se nasce, começa quando se ama! Em toda a minha existência eu nunca havia conhecido alguém como ele. Antes da privação da minha liberdade estivemos 6 meses juntos, mas esse tempo foi o suficiente para saber que um não viveria longe do outro, nesse curto período ficam as lindas lembranças do que vivi com ele em liberdade, lembranças que o tempo não é capaz de apagar. Quando fui detido pareceu que todo o sonho que estávamos a viver se transformara em um pesadelo tenebroso, mas eu acreditava mo que havíamos construído, acreditava neste amor que me salva constantemente.
Deve ser complicado entender como é viver um relacionamento homossexual dentro do sistema prisional, já é doloroso e muitas vezes constrangedor para um casal heterossexual e alguns ignorantes acham que para mim, que sou gay, é como estar em um sonho, mas não troco meu companheiro por nenhum homem deste mundo. Com o tempo a nossa relação ficou mais consistente e verdadeira, desde o início não tivemos medo de enfrentar o que viria pela frente. Foi em reclusão que fui pedido em namoro e foi em reclusão que realizamos nossa união de facto.
Confesso que nunca quis que ele tivesse que passar por tudo isso pois sei o quanto isso se torna desgastante, mas ele faz qualquer sacrifício pelo nosso amor e para me ver bem.
Dentro do E.P. o meu rótulo é de “paneleiro”. Esse rótulo não me incomoda pois é o que sou e sou feliz por ter a minha orientação sexual resolvida, pois nunca precisei viver oprimido ou esconder aquilo que sinto pelo meu companheiro. Em todos os E.P. que eu estive, nas visitas sempre mantive contacto físico com meu companheiro pois tenho o mesmo direito de beijar, abraçar e pegar em sua mão, como os outros casais. Eu nunca baixei a minha cabeça mesmo sentindo os olhares preconceituosos e a risada de canto. Eu nunca vou me fazer de vítima, nunca vou ter medo da opinião de outras pessoas, mas quero respeito, pois o nosso amor não faz mal a ninguém. Não deixo de aproveitar o único dia da semana que o vejo por conta de ninguém, pois ele me estendeu a mão quando caí, é ele quem enxuga as minhas lágrimas e me faz sorrir e foi ele quem me aceitou do jeito que eu sou.
No E.P. do Linhó, nós reclusos, temos o direito a visita íntima e claro que poder estar com quem amamos acaba por ter um efeito muito importante na vida de qualquer pessoa que está privada de liberdade. No meu caso, ainda estou aguardando a autorização do conselho técnico, já tem 2 meses. Pelo que pude perceber, no E.P. do Linhó seremos o primeiro casal de “paneleiros” a ter visita íntima, mas não quero ficar no “seremos”, quero “ser” o primeiro casal, quebrar esse tabu tem um significado para mim e para outros que estarão na mesma situação que a minha.
Muitos pensam que a visita íntima acaba por ser apenas sexo e claro que a parte sexual faz parte de qualquer casal, mas para mim vai além disso, pois estarei com o meu companheiro longe de alguns olhares repugnantes, poderei abraçá-lo e me perder em seu abraço, poderei sentir a ternura do seu beijo, vou poder deitar em seu peito e me sentir protegido, estar junto para diminuir o sofrimento que o sistema prisional nos causa.
Poder ter essa visita íntima também acaba por ser importante para abrir os olhos de uma geração ultrapassada e cheia de preconceito que trabalha dentro dos E.P. de todo o país, essas pessoas que muitas vezes trabalham de farda e esquecem que discriminação é crime. Tem de ficar claro que a minoria, ou melhor, a comunidade LGBTQE+ têm direitos e não têm que ser posta de lado. Somos seres humanos e existem leis que estão do nosso lado. Falta apoio para a nossa comunidade, muitos sofrem calados com medo de sofrer represálias ou medo de ser agredido dentro do E.P. Dentro do sistema existe aquela hipocrisia de tudo parecer bem, mas muitas vezes não está e quem sofre mais acabam por ser os imigrantes que não têm qualquer tipo de apoio.
Muitas ONG e instituições lutam pela causa LGBTQE+ mas não vejo esse apoio no sistema prisional é como se dentro das prisões só existissem heterossexuais. Espero que futuramente a comunidade LGBTQE+ que está em reclusão seja mais apoiada pois tem muitos assuntos que ainda precisam ser debatidos.
Além do apoio do meu companheiro – que amo excessivamente – tem este projeto magnífico “Corpo em Cadeia” que dá vida ao meu corpo e voz à minha alma e que vem ajudando a exprimir meus sentimentos através das aulas semanais, o projeto vai além da dança, pois nos ensina que mesmo estando presos a nossa mente está livre e que nós conseguimos contribuir de alguma forma para a sociedade, pois abordamos assuntos quem acabam por agregar valores em nossas vidas. Vejo o projeto como algo revolucionário pois é uma forma de reinserção social que realmente se importa com os reclusos e com aquilo que cada um de nós sentimos, formado por uma equipa de profissionais que nos olha e nos trata como seres humanos, o projeto nos ensina que mesmo em reclusão a liberdade está dentro de cada um de nós e que somos capazes de conquistar tudo o que quisermos.”
Jefferson Aparecido Silva